A mortes nos filmes animados da Disney

Eu não tenho uma boa memória

Você recorda-se do momento inaugural em que a indagação “o que é a morte?” se infiltrou em sua mente? Embora eu não tenha registro de minha primeira memória, tenho nítida lembrança de um temor avassalador diante do inevitável.

Recentemente, compartilhei em meu perfil do Instagram uma cena de “O Rei Leão” (caso ainda não me siga, é só clicar aqui), na qual é retratada a morte de Mufasa, acompanhada pela seguinte legenda: “Quem mais foi profundamente impactado por esta cena?”. A razão por trás desse post reside na memória de que, durante minha infância, tal cena representou uma das experiências mais dolorosas que já testemunhei em uma animação: Simba tentando despertar o corpo inerte de seu pai. Essa sequência teve um impacto profundo em mim, mas será que, de fato, foi inteiramente prejudicial?

Introduzindo o assunto

As mortes em obras fictícias sempre foram minuciosamente exploradas ao longo da história. Desde as tragédias gregas até as narrativas de Shakespeare, a temática da morte sempre se entrelaçou de forma intrínseca aos elementos narrativos. O próprio “O Rei Leão” bebeu abundantemente dessas fontes.

Em um estudo intitulado “Death in Disney films: implications for children’s understanding of death” (2005), conduzido pela College of New Jersey, os pesquisadores empregaram uma metodologia meticulosa para analisar a influência das diversas mortes retratadas nos filmes da Disney sobre as percepções infantis acerca desse tema. Os resultados dessa pesquisa revelaram dados notavelmente intrigantes:


Como as crianças veem a morte?

Não é de surpreender que crianças não compreendam a morte da mesma forma que os adultos. Essa percepção está intrinsecamente ligada ao seu desenvolvimento, à medida que crescem e acumulam experiências. Até atingirem determinada idade, as crianças podem não compreender a inevitabilidade, irreversibilidade, casualidade e finalidade da morte.

O primeiro estágio do processo de luto em crianças começa com a compreensão do que é a morte, incluindo o reconhecimento de suas características e a capacidade de identificar quando ocorre. O segundo estágio envolve a aceitação da realidade da morte e a disposição para lidar com as emoções associadas a essa compreensão. Isso implica refletir sobre a perda daqueles que se foram, enquanto preserva as memórias positivas para manter uma conexão interna com a pessoa falecida.

O terceiro e último estágio abrange a reorganização dos sentimentos de identidade e dos relacionamentos com os outros e com o ambiente circundante. Nesse estágio, a criança procura estabelecer conexões sólidas com aqueles que ama, sem o receio constante de perdas inesperadas, conforme discutido por Baker et al. (1992).

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Vamos de dados?

A pesquisa abordou a análise de 10 filmes da Disney, todos caracterizados pela presença essencial de uma morte, seja esta um elemento fundamental para o enredo principal. Esses filmes incluíram: “A Branca de Neve” (1937), “Bambi” (1942), “A Bela Adormecida” (1959), “A Pequena Sereia” (1989), “A Bela e a Fera” (1991), “O Rei Leão” (1994), “O Corcunda de Notre Dame” (1996), “Hércules” (1997), “Mulan” (1998) e “Tarzan” (1999).

A análise revelou a existência de 23 cenas de mortes, distribuídas quase igualmente entre protagonistas (52%) e antagonistas (48%). Este equilíbrio numérico sugere a mensagem de que a morte não faz distinção com base no caráter. Tanto indivíduos virtuosos quanto aqueles de índole questionável enfrentam a inexorabilidade da morte no universo dessas narrativas cinematográficas.

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O que os dados nos dizem?

A análise também se debruçou sobre a natureza das mortes desses personagens, evidenciando que a maioria das mortes dos protagonistas foi representada de forma explícita, permitindo que a audiência testemunhasse diretamente a cena da morte. Conforme apontado pela pesquisa, essa abordagem tem suas facetas positivas e negativas. Do lado positivo, ela reflete a realidade da morte; no entanto, pode ser potencialmente traumática (minha intuição estava correta, afinal! 😂).

Um achado intrigante é que as mortes “dormindo” retratadas em filmes mais antigos, como “Branca de Neve” e “Bela Adormecida”, não eram permanentes, indicando uma possível mudança na percepção desse tema ao longo das décadas, especialmente a partir dos anos 70, sugerindo que a morte passou a ser menos considerada um tabu.

Outro ponto de destaque é que as mortes dos vilões frequentemente foram representadas como casualidades. Na maioria das vezes, esses personagens encontravam seu fim devido a algum descuido ou teimosia, adicionando uma camada adicional à complexidade narrativa dessas histórias.

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Que conclusões podemos tirar?

Com base nos dados obtidos, a conclusão do artigo enfatiza que a representação de mortes nos filmes da Disney possui suas vantagens e desvantagens. No lado positivo, serve como uma introdução ao tema para aqueles que estão iniciando sua jornada na vida. No entanto, é crucial ter cautela em relação à mensagem transmitida pelo filme ao retratar o término da vida, pois, na maioria das vezes, a morte é apresentada como uma consequência moral, o que pode transmitir uma mensagem equivocada às crianças. A morte é um evento imprevisível e não está intrinsecamente vinculada à moralidade.

Os filmes animados desempenham um papel positivo ao abordar o processo de luto pelos olhos dos protagonistas, oferecendo uma visão do impacto emocional da perda de um ente querido. No entanto, é importante destacar que esses filmes não devem ser a única abordagem para tratar do tema. O diálogo aberto, a terapia e a empatia emergem como as melhores formas de lidar com situações relacionadas à morte, proporcionando um entendimento mais amplo e saudável para as crianças.

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E atualmente?

É perceptível que nos últimos anos, a Walt Disney tem abordado o tema da perda de maneira respeitosa e responsável, integrando-o de forma significativa aos maiores sucessos das animações da Pixar/Disney. Filmes como Frozen 2 exploram a perda dos pais de Anna e Elsa, Operação Big Hero aborda a perda do irmão de Hiro, Viva – A Vida é uma Festa nos leva a uma aventura no mundo da morte para encontrar os antepassados, Onward trata da perda do pai dos irmãos Lightfoot, e Soul é um filme que explora o pós-morte.

Embora a lista seja extensa, o que todos esses filmes têm em comum é a ênfase na importância da memória e da conexão com as pessoas que partiram. A partida dessas pessoas é retratada como um evento doloroso e muitas vezes traumático, e o sentimento de angústia pode persistir por um longo período. No entanto, a mensagem central é a prática diária de cultivar boas memórias, gerando uma conexão baseada no amor com esses entes queridos que já não estão presentes fisicamente. Essa abordagem contribui para uma narrativa que destaca a importância de preservar e honrar as memórias das pessoas que perdemos.

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